29 novembro, 2010

Mãe até demais!


Por algum motivo, a vida não me deu filhos. Nunca entendi – e olhe que já perdi várias noites de sono pensando no assunto.
O sonho vinha da infância, como em qualquer menina. Queria alguém para chamar de meu, em quem me enxergar, para levar minha própria vida adiante. Afinal, essa é ou não a grande razão de nossa existência?
Para garantir o sonho, trabalhei arduamente durante anos. Esqueci camisinhas, perdi cálculos de tabelas, não tomei a pílula, vacilei pesado. Mês a mês, mais um resultado de “beta”: NEGATIVO. Acho que fiz mais exames Beta HCG que a maioria das mulheres normais. Eram de oito a dez por ano. NADA.
Muita tristeza já rolou neste coração por falta de um filho, ou melhor, de uma filha, que eu jurava, se chamaria Clara. Os caminhos me levaram cada vez para mais longe dela. Hoje minhas escolhas – conscientes, garanto – me fazem crer que não irei gerar uma vida. Mas agora a tristeza não é mais tão grande...


Por algum motivo Marcelle engravidou. Não entendi ainda – e olhe que já perdi várias noites de sono pensando no assunto.
Ela nunca quis ser mãe. Desde a adolescência encara a vida com leveza demais. Cerveja, samba, festas no fim de semana (e no meio também, por que não?). Marcelle ama a liberdade, a desorganização e é muito - eu disse MUITO - impaciente. Nunca teve a menor vocação para cuidar de ninguém, por isso sempre se protegeu dos imprevistos. Mas apesar de tudo, dizia que um dia teria um menino e o nome seria Bento. Até que este dia chegou.
Ela jura de pés juntos que você foi gerado logo na primeira vez que ela pegou seu pai de jeito. Tão felizes que estavam, acabaram não percebendo uns detalhes. E claro, houve muito amor de ambas as partes, mas ninguém esperava por um bebê.


De repente lá estava você em nossos braços. A cara de nossa gente. A mistura de nossa raça de mulheres marcada em seus traços, nos contornos de seu corpo pequeno. Os olhos de Marcelle, meu sorriso, o nariz que só ensaia aparecer, herança de D. Graça.
E ao ver que a vida continua em você, mesmo não saindo de mim, a tristeza fez as malas e partiu. Hoje eu nino a vida, a alimento, a educo, ensino palavras, guio seus passos, canto para ela dormir. Sou tia, mas amo muito além disso e chego a me perder neste sentimento.
A terapia diária agora é viver meu papel sem ultrapassar os limites. A maternidade surgiu bem torta para mim. Na verdade, ela nem surgiu. Não sou mãe. Sou um ser que redescobriu o amor e personalizou em você o sonho de cuidar de alguém.


E para completar, você adora ser o centro desta história, e prova isso quando, com toda sua inocência, se nega a me chamar de tia e chama nós duas de “mama”. Transita nos braços de uma “mãe” para outra de acordo com suas necessidades. Se aproveita de tanto amor para ser cada dia mais feliz.
De um lado, tenho a certeza de estar recebendo meu presente mais precioso.
Do outro, Marcelle nem se importa em dividir. Te doa um pouquinho para mim como quem me empresta seu melhor vestido, aquele sapato ainda não usado, uma jóia rara de família. Te cede para eu chamar de meu com o mesmo desprendimento que cedi a ela tudo que já tive.
Nossos bens sempre foram compartilhados sem senões. “Leve, só me avise que pegou”. E com este lema, você segue circulando como peça principal de duas vidas. E, no meio disto tudo, acho até que já sente o quanto é especial.
Por algum motivo você veio, resgatou nossos sorrisos, preencheu tudo que era vazio e fez sua mãe perder várias noites de sono, enquanto eu... eu durmo muito bem, obrigada.

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