11 junho, 2009

09 de junho de 2009.

Sobre os enjoos de uma mãe abusada.

Dizem por aí que desejo de grávida é balela, pura lenda, desculpa arranjada pela mulher para conseguir todos os mimos aos quais acredita ter direito enquanto guarda um bebê na barriga.

Das outras mães, não posso falar. Mas de Marcelle falo com propriedade. Ela tem desejos e eles são bem reais.

O primeiro foi uma surpresa. Milk shake com batata frita. Nosso lanchinho preferido, foi parar no banheiro do Shopping Tacaruna.

Logo que anunciou a gravidez, depois da Semana Santa, veio outro, foi a vez de picanha.

Sensível ao pedido, voinha deu a solução. “Tem uma carninha aí para fazer um guisado”.

Não. Guisado não dava. Tinha que ser picanha. Então, lá se foi sua mãe e tia Taci ao Vila do Mar com tia Taci (que sequer gosta de carne vermelha), se empanturrar de picanha.

Chegando em casa: tudo para fora.


Outro dia foram as coxinhas. Chuva que Deus dava e ela fala:

- Taci, tás sentindo cheiro de coxinha?

- Não, Marcelle. Não tem cheiro nenhum de coxinha.
- Tem sim, sente. Coxinha. Aquela da Pão Doce Pão.

Em resumo, esse papo só acabou horas depois, quando sua mãe convenceu Taci e Andreza a irem com ela até a padaria, a um quilômetro de casa, comer as benditas coxinhas.

Minutos depois, todas estavam descendo descarga a baixo.


Seu tio Tácito também já foi uma das vítimas. Rodou quase dez bairros com Marcelle do lado e um potinho na mão, debaixo do maior toró, em busca de uma dobradinha. Horas depois, já no final da tarde, encontraram.

Ela comeu tudo verozmente, depois vomitou.

Estava registrado mais um desejo.


Ontem foi minha vez de ser vítima dos seus caprichos. Sim, porque eles são seus, não de sua mãe.

Às seis da manhã ela acorda e diz à tia Taci.

- Eu quero comer coração.

- É o quê, menina?
- Coração. Quero comer coração.

Taci virou e voltou a dormir. Mas o coração não saiu da cabeça. Então combinamos que iríamos encontrar um lugar que vendesse coração para a gente almoçar.

Mais tarde, na cidade, encontramos com sua avó e começamos as buscas. Entramos e saímos de restaurantes com cardápios fantásticos, mas nenhum coração. Já estava morrendo de fome, precisava ir ao trabalho, a hora passando, e Marcelle com aquele olhar de cachorro morto a cada vez que não tinha o pedido.

Então, a convenci a comer no Sertanense, onde a mesa estava linda. Ela fez bico, mas topou. Comeu abusada o camarão empanado, a fatia de peru, a torta de bacalhau. Nenhuma delícia substituía o coração...

Até que ela teve um outro desejo.


- Quero pudim.
- Mas pudim? - perguntou mainha. - Você não gosta de pudim.
- Eu quero pudim hoje. Olhei para ele desde que cheguei aqui. - garantiu.

Então lá foi ela comer uma fatia inteira de pudim.

- Comida estranha, sem gosto. Vixe. ( e comendo... )

- Eita, Bento gosta de pudim! - comemorou mainha. - Vou fazer bem muito para ele quando nascer.

Ainda não havíamos sequer pago a conta quando você anunciou que precisava ir ao banheiro.

E lá se foi o pudim e todo o almoço...

P.S.: Hoje ela devorou um quilo de coração. E, dessa vez, não botou nadinha para fora!



08 de junho de 2009.

Você tem pitoca.

Hoje acordei cedo novamente. Foi o dia da sua ultrassonografia encefálica.Precisávamos saber se você estava com saúde. E lá fomos nós, claro que de táxi, porque sua abusadíssima mãe enjoa quando anda de ônibus.

Dessa vez, a desaparecida tia Taci foi junto. Chegamos tarde, esperamos muito, mas valeu à pena.

Quando olhamos na TV, lá estava você. Enorme. Duas vezes maior que da primeira vez. Oito centímetros. Feliz. O coração pulsando a 155 por minuto. Dorminhoco. A mão atrás da cabeça, em pose de cochilo, mas Dr. Carlos de catucou e você mexeu, mudou de lugar e vimos sua coluna toda bonitinha.

- É um menino. - ele disse.

Marcelle não acreditou.

- Menina?

- Não. Menino. Tem uma pitoca aqui.

Pronto. Começou o chororô de sua mãe, que desde sempre teve certeza de que você era o Bento por quem ela esperava há anos.

Eu teria uma menina e ela, um menino. Agora confirmado no exame.

Saímos da sala e fizemos o comunicado ao seu pai, sua avó e à tia Andreza. Todos recebidos com gritos do outro lado da linha.

...

E por falar nela, no fim de semana tia Andreza lhe tirou do sério. Passou uma noite inteira cantando o pavoroso hino do Sport no seu ouvido despreparado para tamanha barabaridade.

Resultado: você mostrou a todos sua personalidade tricolor se mudando rapidinho para o outro lado da barriga!

Muito bem, meu amor.

Para orgulho do seu pai, de tia Mack e tio Riva, você mostrou que o gosto pelo time de futebol está no sangue. E sua mãe já concordou em não interferir (embora eu ache que ela pode até virar a casaca).

Agora é só esperar você crescer para a gente te levar ao Arruda. Até lá, quem sabe, seu time voltou para a primeira divisão, né?



19 de maio de 2009.

A primeira ultra.

foto: internet (porque a gente esqueceu o dvd)

Tudo foi muito corrido. Quem mandou decidir fazer a viagem à terra na barriga de uma mãe tão demente quanto Marcelle?

Dias e dias se passando e ela nem pensou em fazer exames para saber se você estava bem.

Ela nunca ligou para essa história de saúde. Por isso, o plano só foi feito no exato mês em que você foi gerado. E adianto que isto está dando a maior confusão!

Primeiro, porque nenhum exame tem carência para ser feito, e depois, porque nem o parto será coberto. Logo, você deve nascer na Maternidade da Encruzilhada, aqui, bem perto de casa, pelas mãos de Rebecca que, além de minha amiga calhou de ser obstetra.

Enfim, foi por insistência de Rebecca que Marcelle resolveu começar o pré-natal. E também foi ela quem conseguiu de “cortesia” sua primeira ultrassonografia.

Então fomos lá na Biofeto encontrar com Dr. Carlos Reinaldo. De tão ansiosas, chegamos duas horas antes da consulta.

Até que te vimos. Tão pequeno: 3,9 cm, mas com o coração batendo forte - 172 por minuto. Coluna bem formada. Pernas longas. Uma mãozinha levada a boca como quem boceja.

Você é lindo, meu amor. Lindo.

Mal vemos a hora de te conhecer...



14 de abril de 2009.

A descoberta.

Um susto. Um sustão. Foi isso que você nos deu quando anunciou que estava chegando.

Por algum motivo mágico, sua mãe soube que você viria no exato dia em que você foi concebido. Essa história, talvez, ela mesma explique melhor. Eu, cética que sou, nunca ouvi falar dessas coisas com mais ninguém além da Virgem Maria.

A menstruação de Marcelle não veio e, solidária, a minha também não. E depois de quatro dias de atraso, ela resolveu fazer o beta.

No fim da tarde, lá foi sua mãe, com sua tia Andreza do lado, buscar o exame.

O choro do outro lado da linha não me deixou dúvidas de que o resultado era positivo. Você estava lá. A fim de vir ao mundo.

Eu e sua vó soubemos da notícia na mesma hora. E o pânico foi quase tão grande quanto o da sua estérica mãe do outro lado da linha.

O que fazer?

O que fazer com uma criança que chegaria sem um pai oficial, gerada de uma união nada estável ou convencional, numa família só de mulheres, numa casa apertada, sem espaço para mais ninguém?

Onde colocar? Como sustentar?

A verdade é que você chegava na mesma situação em que eu cheguei, há 30 anos. Tudo tão igual, que me apavorou pensar que você teria as mesmas carências que eu, as mesmas sequelas sociais pela falta de um pai presente.

Perceber isto não me deixou responder positivamente a nenhuma pergunta. Nos primeiros instantes eu era feita de medo.

Medo daquela criatura que ainda estava na barriga passar pelas mesmas provações que eu.

Medo também de Marcelle sofrer mais do que já havia sofrido por toda a vida.

Mas aí os minutos passaram, a ficha caiu e os pensamentos começaram a se organizar.

Pensei que poderia trabalhar um pouco mais para ajudar a lhe sustentar, e que faltava pouco para mainha (sua avó) se aposentar, aí ela também poderia ajudar a cuidar de você quando Marcelle fosse trabalhar.

Pronto. O plano já estava definido.

Você poderia vir sem medo, que a gente estava preparada para te receber.

....

Ah! E tem mais, sua avó – que jura ter nascido bruxa – anunciou de cara. “Quem tá na barriga não é Bento, não, viu? Tratem de pensar num nome para uma menina”.

Liguei correndo para sua mãe para dar minha sugestão. “Luna, que é lua em espanhol”. “Adorei. Luna. Vai ser Luna”.

Assunto encerrado.